Gilbert
Keith Chesterton (1874-1936), escritor londrino, foi um dos maiores
defensores do cristianismo em uma época que o ateísmo era uma tendência
entre intelectuais.
O
progresso técnico e o desenvolvimento científico --principalmente após a
Revolução Industrial, no século 18-- despertaram no homem um sentimento
de controle da natureza e de independência. As críticas à doutrina e
aos mistérios do cristianismo não era novidade entre os filósofos. O
pensamento estava presente em iluministas como Voltaire (1694-1778).
O mundo se deparava com ideias de Friedrich Nietzsche (1844-1900), Sigmund Freud (1856-1939) e Charles Darwin (1809-1882), um período de afirmações polêmicas e chocantes.
Foi
nesse cenário que Chesterton defendeu a fé e a existência de Deus. O
autor exerceu grande influência e chegou a debater o assunto com Bertrand Russell (1872-1970), o ateu mais famoso e ativo da filosofia contemporânea.
Em "O Homem Eterno"
(Mundo Cristão, 2010) reconta, com o seu característico humor
britânico, a história da humanidade apontando a ação de Deus no mundo.
Ao argumentar contra os céticos, diz no livro: "o ateísmo é
anormalidade".
Conta-se que o volume foi o responsável pela conversão de C. S. Lewis, autor de "As Crônicas de Nárnia", ao cristianismo. Leia, abaixo, um trecho do exemplar.
*
Aquela
mitologia e aquela filosofia, à luz das quais o paganismo já foi
analisado, ambas haviam sido bebidas literalmente até as fezes. Se com a
multiplicação da magia o terceiro departamento, que denominamos
demônios, estava cada vez mais ativo, ele nunca significou outra coisa
que não fosse destruição. Resta apenas o quarto elemento, ou melhor, o
primeiro; aquele que em certo sentido fora esquecido por ser o primeiro.
Refiro-me àquela primeira, dominante e mesmo assim imperceptível
impressão de que o universo no fim das contas tem uma única origem e um
único objetivo; e por ter um objetivo deve ter um autor. O que aconteceu
nessa época com essa grande verdade no fundo da mente humana talvez
seja mais difícil determinar. Alguns dos estoicos sem dúvida viram isso
cada vez mais claro à medida que as nuvens da mitologia se abriram e
desfizeram; e dentre eles grandes homens fizeram muito lutando até o fim
para lançar os fundamentos de um conceito da unidade moral do mundo. Os
judeus ainda tinham sua secreta certeza disso ciosamente guardada atrás
de altas cercas de exclusividade; no entanto, uma forte característica
da sociedade nessa situação é o fato de que algumas figuras em voga,
especialmente senhoras, realmente abraçaram o judaísmo. Mas no caso de
muitas outras pessoas imagino que nesse ponto surgiu uma nova negação. O
ateísmo tornou-se realmente possível nesse tempo anormal, pois o
ateísmo é anormalidade. Não é simplesmente a negação de um dogma. É a
inversão de um pressuposto subconsciente da alma; a sensação de que
existe um significado e uma direção no mundo que ela enxerga. Lucrécio, o
primeiro evolucionista que se esforçou para substituir Deus pela
evolução, já havia exposto aos olhos dos homens sua dança de cintilantes
átomos, com a qual ele concebeu o cosmo sendo criado do caos. Mas não
foi sua forte poesia ou sua triste filosofia, imagino eu, que
possibilitaram aos homens acalentar essa visão. Foi algo no sentido de
uma impotência e um desespero, e com isso os homens ergueram em vão os
punhos contra as estrelas, quando viram as mais belas obras da
humanidade afundando lenta e fatalmente num lodaçal. Eles poderiam
facilmente acreditar que até a própria criação não era uma criação, mas
uma perpétua queda, quando viram que as mais sólidas e dignas obras de
toda a humanidade estavam caindo devido a seu próprio peso. Poderiam
imaginar que todas as estrelas eram estrelas cadentes; e que os próprios
pilares de seus solenes pórticos estavam se curvando sob uma espécie de
crescente Dilúvio. Para gente naquele estado de espírito havia um
motivo para o ateísmo, que em certo sentido é racional. A mitologia
poderia desaparecer e a filosofia poderia fossilizar-se; mas, se por
trás dessas coisas havia uma realidade, com certeza essa realidade
poderia ter sustentado as coisas que iam caindo. Não existia nenhum
Deus; se existisse um Deus, com certeza esse era o momento exato para
ele agir e salvar o mundo.
(Folha.com)
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