O Vinho na Bíblia - Parte I
Introdução
A finalidade deste estudo é pesquisar no Livro Santo para saber o que ele tem a nos dizer sobre o uso do vinho.
Se
a Bíblia não se pode contradizer em seus ensinos, como iremos
harmonizar declarações aparentemente contraditórias como estas: o uso da
vinho é uma maldição, o uso do vinho é uma bênção. Essa aparente
contradição escriturística levou os editores de O Novo Dicionário da Bíblia
a afirmarem: "Esses dois aspectos do vinho, seu emprego e seu abuso,
seus benefícios e sua aceitação aos olhos de Deus e sua maldição estão
entrelaçados na trama do Antigo Testamento de tal modo que o vinho pode
alegrar o coração do homem (Sal. 104:15) ou pode fazer a mente errar
(Isa. 28:7). O vinho pode ser associado ao regozijo (Ecl. 10:19) ou à
ira (Isa. 5:11); pode ser usado para descobrir as vergonhas de Noé (Gên.
9:21) ou, nas mãos de Melquisedeque pode ser usado para honrar a Abraão
(Gên. 14:18)."
Se
estas duas possibilidades antagônicas provêm do vinho é fácil concluir
que a Bíblia apresenta duas espécies distintas de vinho. A primeira
espécie seria o vinho não fermentado, o puro suco de uva que pode ser
uma bênção. A outra espécie é o vinho fermentado, intoxicante, causador
de muitos problemas sociais como discórdia, miséria, destruição da vida,
por isso vários escritores bíblicos o condenaram com veemência.
O que diz a Bíblia? O que dizem os exegetas e os comentaristas sobre este problema?
O Vinho no Velho Testamento
Três vocábulos distintos são empregados no Antigo Testamento para designar três espécies de vinho.
1º) Yayin – Gên. 9:21.
É
o mais usado, porque aparece nada menos de 140 vezes. Esta palavra é
empregada indistintamente sem considerar se o vinho é fermentado ou não.
2º) O segundo vocábulo é Tirôsh,
empregado 38 vezes. Ao contrário da palavra anterior, esta indica que o
vinho não é fermentado! Algumas vezes é traduzido como vinho novo ou
"mosto". Deut. 12:17.
3º) Shekar
é a terceira palavra usada. Tem a conotação negativa, normalmente é
traduzida por bebida forte. Os escritores do Velho Testamento a empregam
23 vezes. Prov. 31:6 – "Dai bebida forte (shekar) aos que perecem, e vinho (yayin) aos amargurados de espírito."
Seria interessante saber que na Septuaginta (tradução do hebraico para o grego, feita por setenta sábios judeus) a palavra "oinos" foi empregada para traduzir as hebraicas Yayin e Tirôsh, mas nunca para shekar ou bebida forte.
O Seventh-day Adventist Bible Dictionary, pág, 1.150 declara com muita propriedade:
"Arão
e seus filhos, os sacerdotes, foram estritamente proibidos de beber
vinho ou bebida forte ao entrarem no tabernáculo para ministrar diante
do Senhor (Lev. 10:9). Os nazireus eram igualmente proibidos de unir
vinho enquanto estivessem debaixo do voto (Núm. 6:3, 20; confira Juízes
13:4-7). Os recabitas viveram um exemplo digno de nota de abstinência
permanente do vinho, aderindo estritamente ao mandamento de seu
ancestral, Jonadabe, para abster-se dele (Jer. 35:2, 5, 8, 14). O livro
de Provérbios está repleto de advertências contra indulgência com o
vinho e bebida forte (veja capítulos 20:1; 21:17; 23:30, 31; 31:4 etc.).
O vinho zomba daqueles que o usam (cap. 20:1), e os recompensa com ais,
dores, lutas e feridas sem causa (cap. 23:29, 30). 'No seu fim morderá
como uma serpente, e picará como um basilisco' (v. 32). O profeta Isaías
declarou: 'Ai dos que do heróis para beber vinho, e valentes para
misturar bebida (Isa. 5:22). Daniel e seus compatriotas deram um digno
exemplo pela recusa de beber o vinho do rei (Dan. 1:5, 8, 10-16). Ao
jejuar posteriormente, Daniel absteve-se de carne e vinho (cap. 10:3)."
Não
é possível terminar esta parte do comentário, sem enfatizar mais uma
vez: existem no Velho Testamento as mais variadas advertências dos
grandes perigos advindos do uso do vinho e bebidas fortes. Dentre estas
advertências as que mais se agigantam são as apresentadas por Salomão no
livro de Provérbios (20:1; 20, 21 e 30).
Vinho no Novo Testamento
As referências ao vinho nesta segunda parte da Bíblia são mais escassas do que as encontradas no Velho Testamento.
Os
escritores do Novo Testamento também empregaram três vocábulos gregos,
que podem ser traduzidos para a nossa língua por vinho: oinos; sikera; gleulos . Destas três a mais usada é oinos (aparece 36 vezes), tendo o mesmo sentido de Yayin
no hebraico, e que na Septuaginta, como já vimos traduz também o
hebraico Tirôsh. A palavra sikera aparece apenas uma vez em Luc. 1:15 –
"João Batista não bebia vinho (oinos) nem bebida forte (sikera)." De modo idêntico o vocábulo gléukos só foi usado uma vez em Atos 2:13. Outros zombando diziam: "Estão cheios de mosto (gléukos)."
O
principal problema no estudo do vinho é este: embora a 1íngua grega
seja especialista em empregar palavras distintas para idéias diferentes,
ela não possui uma palavra para vinho com álcool e outra para vinho sem
álcool. O Novo Testamento emprega oinos tanto para o vinho fermentado como não fermentado.
O Vinho Usado por Jesus na Última Ceia
Podemos
afirmar com certeza que o vinho usado por Jesus nesta ocasião não era
fermentado. Esta afirmação é conclusiva da Bíblia pelo seguinte:
Na
cerimônia da páscoa não devia haver fermento em nenhum compartimento da
casa, desde que este é o símbolo do pecado. Se os pãos asmos não
continham fermento como o próprio nome indica, é fácil concluir que o
vinho também não podia conter fermento. A leitura das seguintes
passagens nos levam a esta conclusão: Gên. 19:3; Êxodo 13:6-7; Lev.
23:5-8; Luc. 22:1. Tanto o vinho da ceia como o das bodas em Caná da
Galiléia não era fermentado, porque Jesus jamais aceitaria partilhar
daquilo que é tão fortemente condenado na Bíblia. Todas as igrejas
cristãs tradicionais conservam o costume de usar o vinho sem fermento
para simbolizar o sangue de Cristo, oferecido por nós na cruz, para
remissão de nossos pecados.
Estudo de Duas Passagens
I. I Tim. 3: 8. – "Não inclinados a muito vinho."
Embora
este conselho de Paulo seja difícil de ser explicado, se pensarmos bem
sobre ele, e se o pesquisarmos em fontes sadias, concluiremos o
seguinte:
O termo grego usado é oinos,
empregado em O Novo Testamento, como já vimos, para o vinho fermentado e
não fermentado. Se Paulo aqui se refere ao vinho fermentado, ele está
em contradição com suas próprias declarações quanto ao cuidado do corpo
(I Cor. 6:19 e 10: 31) e em oposição à orientação geral da Bíblia no
tocante a bebidas intoxicantes (Prov. 20:1; 23:29-32; João 2:9). Como
bem pondera o Comentário Adventista, se sua referência era ao uso do suco de uva não havia necessidade desta advertência.
Neste
conselho Paulo adverte aqueles que exercem liderança dentro da
comunidade cristã para não incorrerem neste vício, porque este os
incapacitaria para o correto desempenho de sua tarefa.
Estas
e outras passagens correlatas seriam bem compreendidas quando se
pondera no seguinte: Deus deseja o nosso afastamento das bebidas com
álcool, mas o ser humano, muitas vezes, se afasta desta orientação, daí a
constante advertência dos mensageiros de Deus para que os seus filhos o
evitem.
II. A Problemática Passagem de I Tim. 5:23.
Os
defensores da abstinência total têm se preocupado muito com esta
passagem. Se o verso de I Tim. 5:23 for analisado no seu contexto ele
jamais deverá ser usado para liberar o uso do vinho fermentado.
The Interpreter's Bible, vol. XI, pág. 445 comentando este verso declara:
"Sendo
que na ocasião o vinho era considerado como útil na medicina indicado
na cura de uma variedade de doenças, a prática da abstinência total
significa renúncia ao vinho não apenas como uma bebida, mas também como
um remédio. Esta prática é prejudicial, diz o autor: Tendo Timóteo um
estômago fraco ou por causa de suas freqüentes enfermidades, ele não
devia hesitar em usar um pouco de vinho."
"O
verso ilustra muito bem o senso comum, o ponto de vista moderado do
autor. Ele não defende nenhum vinho como prazer. A religião é demasiado
séria para isto. Mas quando ela chega a recusar remédio, ele traça-lhe
um limite.''
O SDABC apresenta sobre esta passagem os seguintes esclarecimentos:
"Alguns
comentaristas crêem que Paulo aqui defende o uso moderado de vinho
fermentado para propósito medicinais. Chamam a atenção para o fato de
que aquele vinho assim tem sido usado através dos séculos. Outros
sustentam que Paulo se refere ao suco de uvas não fermentado, arrazoando
que ele não daria conselho inconsistente com o resto das Escrituras,
que advertem contra o uso de bebidas intoxicantes (veja Prov. 20: 1; 23:
29-32)." vol. VII, pág. 314. O
estudo da passagem de 1 Tim. 5: 23 nos leva à conclusão de que neste
caso Paulo está tratando de um caso isolado e especial – um problema de
doença. Em suas demais epístolas ele sempre defendeu total abstinência
do vinho, como nos comprovam Rom. 14:21 – ". . . é bom não beber
vinho..." Efésios 5:18 "... Não vos embriagueis com vinho. . ."
Não é justo alguém apoiar-se nesta passagem para defender o uso do vinho com álcool.
Do excelente folheto "Vinho", de autoria de Walter G. Borchers, destacamos estas judiciosas palavras concernentes a este verso:
"Os
que querem beber vinho que contém álcool, não obstante a proibição
bíblica, no seu desespero lançam mão, por último, de um só texto (eu
diria dois, sendo o outro I Tim. 3:8), a saber, I Tim. 5:23. Mas, vamos
ao texto. Descobriremos logo que o jovem pregador Timóteo, que conhecia
as Sagradas Escrituras desde a sua infância, era um consciencioso e
rigoroso abstêmio; também, que ele tinha a infelicidade de não andar bem
de saúde, tendo estômago fraco e sofrendo freqüentes indisposições; e
que S. Paulo lhe aconselhou o uso de um pouco de vinho, como remédio,
por causa dessas suas enfermidades.
"Se
olhássemos para o texto pelo prisma dos apologistas do vinho, diríamos:
parece que Paulo, como algumas pessoas de hoje, que não acompanham a
ciência moderna, pensava que o uso de 'um pouco de vinho', como remédio,
embora fermentado, talvez fizesse bem.
"Notemos, porém, que o termo 'oinos',
usado neste texto, sendo empregado, às vezes, no sentido de vinho doce,
não diz com clareza se era vinho novo e doce ou fermentado, o que
Timóteo devia usar; mas mesmo que fosse vinho fermentado, existe muita
diferença entre o uso de um pouco, no caso de doença, e o beber vinho
fermentado de preferência ao novo e doce, sob uma infinidade de
pretextos fúteis, desprezando assim a Palavra de Deus, que, no Velho
Testamento, proíbe, em 134 textos diferentes, o uso do vinho fermentado,
e, no Novo Testamento, coloca na categoria de libertinos, idólatras,
maldizentes, adúlteros, ladrões e assassinos, os bebedores de vinho
dessa qualidade (I Cor. 6:9 e 10; Gál. 5:19-21; etc., etc.), deixando
bem claro que os bêbados não herdarão o reino de Deus." – págs. 9 e 10.
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